Conclusões:
1.ª O direito de greve (artigo 57.º da Constituição da República Portuguesa) é um direito fundamental, integrante do conjunto dos direitos, liberdades e garantias, diretamente aplicável e vinculante para entidades públicas e privadas (artigo 18.º, n.º 1, da Constituição);
2.ª A Constituição e a lei infraconstitucional optaram por não definir o conceito de greve, remetendo essa tarefa essencial para a doutrina e para o intérprete;
3.ª A doutrina e a jurisprudência têm definido, de modo consensual, o direito de greve como a abstenção temporária da prestação de trabalho, inserida numa ação coletiva e concertada dos trabalhadores, com vista a uma pressão sobre a entidade empregadora no sentido da obtenção de um objetivo comum;
4.ª Adotou-se uma noção aberta de greve que acolhe o caráter dinâmico desta forma de luta dos trabalhadores, a qual pode assumir várias modalidades de execução, desde que contenham os elementos que a caraterizam;
5.ª O direito de greve, enquanto direito fundamental reconhecido pelo artigo 57.º da Constituição, não é um direito absoluto, pelo que não está imune a quaisquer restrições ou limites, sofrendo, assim, os limites resultantes da conciliação com outros direitos ou valores constitucionalmente protegidos;
6.ª A declaração que constitui o aviso prévio, dada a sua essencialidade, no processo de greve, impõe, a fim de assegurar os objetivos que estão pressupostos na imposição desta formalidade do processo de greve e, assim, evitar a greve surpresa, que tenha de ser indicado, de forma clara, o momento do início da greve, a especificação do período de paralisação, bem como todas as indicações necessárias, segundo o princípio da boa-fé;
7.ª A greve é decretada e declarada para ser cumprida pelos aderentes nos termos consagrados no aviso prévio, pois, como igualmente decorre da boa-fé, a declaração de greve constante do aviso prévio vincula quer os emitentes quer os trabalhadores aderentes nos precisos termos da declaração feita;
8.ª Assim, no aviso prévio, além do mais, tem de indicar-se a data e a hora ou a data e outra referência, como acontecimento de verificação certa, que permita, com segurança, estabelecer o momento do início da greve;
9.ª Exigência legal que se satisfaz se, no caso de greve a definidos tempos letivos do horário de trabalho, se indicar no aviso prévio, tempestivamente apresentado, não só a data do início da greve como ainda a referência ao momento dessa data - os concretos tempos letivos -, como acontecimento certo no tempo, por permitir determinar no horário o momento inicial e o momento final da eventual execução da greve;
10.ª A decisão de efetuação de greve, em inobservância ao constante no aviso prévio, no que concerne à sua duração, afeta a legalidade do exercício do direito de greve na sua execução, fazendo incorrer os trabalhadores no regime de faltas injustificadas, previsto no artigo 541.º do Código do Trabalho;
11.ª Isto sem prejuízo do direito de adesão e de revogação da decisão de adesão à greve, pois os trabalhadores podem aderir à greve e revogar a sua decisão, nos termos da lei;
12.ª Por regra, os efeitos da ausência dos docentes ao primeiro tempo do horário de trabalho circunscrevem-se à concreta «turma» naquele «tempo letivo», não interferindo nem tornando inaproveitável a disponibilidade dos trabalhadores para todas as demais (e sequentes) atividades, pelo que não inviabiliza o seu funcionamento nem a sua operacionalidade;
13.ª Do teor da informação aos docentes designada «FAQS GREVE 2022», publicada no sítio da internet do Sindicato, e dos demais elementos disponíveis, não resulta se o documento constitui um mero esclarecimento sobre quais as opções à disposição dos trabalhadores, em virtude de a greve ser marcada para cada dia ou se constitui uma manifestação de vontade de que, não obstante o expressamente vertido no aviso prévio, poderiam ainda fazer greve conforme cada um dos trabalhadores entendesse (ou quisesse), de acordo com o seu arbítrio ou vontade, dando como exemplo a efetuação de greve aos primeiros tempos do horário de trabalho;
14.ª No primeiro caso, configurar-se-ia estar perante um mero esclarecimento sobre como exercer o direito de adesão ou de não adesão e de renúncia à adesão, por os pré-avisos serem diários e independentes entre si; enquanto que, no segundo caso, estar-se-ia necessariamente a referenciar uma greve parcial, alternada ou não, cabendo aos trabalhadores a gestão da greve como entendessem de acordo com o seu arbítrio ou vontade, inexistindo elementos que nos permitam conduzir ao apuramento concreto dessa manifestação de vontade;
15.ª A ter havido uniformidade de adesão, apenas aos primeiros tempos do horário de trabalho, parece afastar a constante imprevisibilidade, e, também por isso, a consequente desorganização (caótica) dos serviços que carateriza a greve self-service, tanto mais que a desorganização causada pela greve executada aos primeiros tempos não se afigura superior a que resultaria do cumprimento cabal da greve decretada;
16.ª Daí que, se cada docente, atenta a referência a primeiros tempos efetuada pelo Sindicato nas indicadas «FAQS GREVE 2022», decidir o dia, o tempo e a concreta duração do período de adesão à greve, numa gestão individual, deve-se concluir que se está perante uma greve com caraterísticas similares às das greve self-service, onde os efeitos pretendidos se diluem, atento o modo de desenvolvimento da atividade escolar por unidades letivas;
17.ª Uma decisão uniforme de apenas fazer greve aos primeiros tempos igualmente contém em si, pelo menos, a possibilidade da existência de um ato concertado dos trabalhadores, enquanto execução conjunta ou conjugada, compartilhada e organizada da recusa temporária à prestação do trabalho;
18.ª A marcação sucessiva de greve, com o mesmo objeto e amplitude, para cada dia consecutivo de trabalho num período de cerca de mês e meio, parece constituir o expediente para que cada uma destas sucessivas greves fosse considerada e tratada como se uma nova greve se tratasse, e, assim, para que os trabalhadores a cada dia pudessem começar e interromper ou iniciar mais tarde a greve sempre e conforme entendessem;
19.ª Constitui, na verdade, uma greve contínua de longa duração, uma vez que os dias em que não foi marcada greve são domingos ou feriados, dias de encerramento dos estabelecimentos de ensino e de não ocorrência de atividade escolar/letiva;
20.ª A pretensão de que os trabalhadores diariamente, durante esse período (de longa duração), pudessem fazer, a cada dia, greve apenas aos primeiros tempos do horário diário, impunha, no caso de greve a toda a jornada diária, que também tivesse sido contemplado no aviso prévio essa concreta modalidade de greve parcial, por, sem esta reificação, não ser legalmente permitido esse sucessivo modo de execução parcial;
21.ª O modo constante de execução da greve em dissonância com o expresso teor dos sucessivos avisos prévios a ter sido cumprido em conformidade com a aludida referência do próprio sindicato aos «primeiros tempos/horas», para além de constituir afronta a esse documento essencial e, por isso afetar a legalidade do exercício do direito greve na sua execução, é de considerar a possibilidade de se verificar uma conduta abusiva no exercício do direito à greve, pois uma greve que viole o princípio da boa-fé (artigo 522.º do Código do Trabalho e o artigo 334.º do Código Civil) pode, em casos extremos e excecionais, ser considerada abusiva e, como tal, ilícita;
22.ª No entanto, atentos os factos indicados na informação fornecida, este Conselho Consultivo não pode concluir, dada essa exiguidade factual, a existência de «greve abusiva», tanto mais que o apuramento e comprovação da matéria de facto e a consequente aplicação do direito constitui um labor que, em concreto, extravasa as suas competências, constituindo, sim, tarefa da função judicial;
23.ª Não estabelecendo a lei um limite máximo de prejuízo que a greve pode causar, não é invocável, a este propósito, um princípio de proporcionalidade como fundamento da ilicitude;
24.ª Aliás, se a proporcionalidade fosse um requisito da greve, em certos setores, onde os prejuízos provocados pela paralisação são maiores (v.g., transportes), ficariam impedidos de fazer greve e de, assim, protestar e, logo, mais expostos aos arbítrios das entidades laborais;
25.ª Sem prejuízo dos serviços mínimos, a greve deverá ser admissível em todos os setores da atividade, independentemente dos custos que lhe são necessariamente inerentes;
26.ª A suspensão do contrato decorrente da greve faz cessar, temporariamente, o direito à retribuição (artigo 536.º, n.º 1, do Código do Trabalho), pelo que havendo retribuição certa mensal, cabe proceder ao desconto da importância correspondente ao período de greve; desconto a operar segundo as regras de cálculo que vigorem para a determinação do salário-hora ou do salário diário;
27.ª Se se verificar que a falta do docente a determinados tempos letivos por força da greve, embora lícita, se projeta para além desses tempos, a perda salarial deve ser calculada não só pelo tempo «formal» de abstenção individual, mas também pelo tempo material dessa abstenção, se as abstenções de trabalho tornarem efetivamente impossível as sucessivas prestações de atividade letiva;
28.ª A ausência de trabalhador por motivo de adesão a greve declarada ou executada de forma contrária à lei é considerada falta injustificada, de acordo com o disposto no artigo 541.º, n.º 1, do Código do Trabalho, aplicável ex vi o artigo 4.º, n.º 1, alínea m), da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas;
29.ª A falta injustificada determina, além da qualificação da ausência como infração disciplinar e do desconto do tempo na antiguidade, o desconto do tempo de greve declarada ou executada de forma contrária à lei na retribuição correspondente ao período de ausência;
30.ª Também pode fazer incorrer o trabalhador aderente em responsabilidade civil extracontratual, nos termos do artigo 483.º do Código Civil, caso se verifiquem os pressupostos deste instituto, relativamente a danos resultantes dessa falta, podendo ser considerado, no domínio da culpa, o desconhecimento pelo trabalhador do caráter ilícito da greve;
31.ª As organizações sindicais que decretaram e geriram essa greve, também poderão ser civilmente responsabilizadas pelos prejuízos causados por uma greve ilicitamente decretada ou executada, desde que a sua conduta preencha os pressupostos exigidos pelo artigo 483.º do Código Civil; e
32.ª No caso de essa ilicitude resultar do facto da greve ter sido executada numa modalidade que não constava do aviso prévio de greve, os danos a atender serão tão só os que resultaram exclusivamente da ausência dessa informação.
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