Parecer n.º 7/2013, da Procuradoria-Geral da República, publicado no Diário da República n.º 203/2015, Série II de 2015-10-16, sobre a utilização de informação fiscal para fins disciplinares
Descritores:
Autoridade Tributária e Aduaneira - informação fiscal - segredo fiscal - acesso a documentos - acesso a dados - dados pessoais - proteção de dados - princípio da cooperação institucional - princípio da administração aberta - reserva da intimidade da vida privada e familiar - acumulação de funções - autorização - processos disciplinar - competência - obrigatoriedade de denúncia - princípio in dúbio pro libertate - prova - nulidade - proibição de valoração da prova - responsabilidade criminal - responsabilidade contraordenacional - responsabilidade disciplinar
Conclusões:
1.ª - Os trabalhadores da Autoridade Tributária e Aduaneira só podem acumular o exercício da respetiva função com outras funções públicas ou com outras funções ou atividades privadas se obtiverem a autorização prevista no artigo 29.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro; 2.ª - O exercício de funções em acumulação sem tal autorização constitui infração disciplinar [artigo 17.º, alínea c), do Estatuto Disciplinar aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de setembro]; 3.ª - O superior hierárquico que tome conhecimento de que um trabalhador seu subordinado praticou uma tal infração deve proceder disciplinarmente contra o mesmo, ainda que não seja competente para punir (artigo 29.º, n.º 1, do mesmo Estatuto); 4.ª - Os dirigentes e demais trabalhadores ao serviço da Autoridade Tributária e Aduaneira estão obrigados a guardar sigilo quanto aos dados recolhidos sobre a situação tributária dos contribuintes e aos elementos de natureza pessoal que obtenham nos procedimentos tributários, nomeadamente os decorrentes do sigilo profissional ou qualquer outro dever de segredo legalmente regulado (artigo 64.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária); 5.ª - Tal dever de sigilo só cessa em caso de autorização do contribuinte ou nos casos expressamente previstos na lei ou em convenção internacional a que o Estado Português esteja vinculado (n.º 2 do mesmo artigo); 6.ª - Não existe no nosso ordenamento jurídico qualquer disposição que autorize a Autoridade Tributária e Aduaneira a escrutinar as informações recolhidas relativamente aos seus trabalhadores enquanto contribuintes e abrangidas pelo segredo fiscal, designadamente as constantes das declarações de rendimentos do respetivo agregado familiar e correspondentes anexos, para efeito de deteção de eventuais infrações disciplinares relativas a acumulação ilícita ou não autorizada de funções; 7.ª - As informações recolhidas sobre a situação tributária dos contribuintes, integradas nos ficheiros informáticos ou manuais da Autoridade Tributária e Aduaneira, constituem, por outro lado, dados pessoais para efeitos do disposto na Lei n.º 67/98, de 26 de outubro; 8.ª - Nessa medida, encontram-se também abrangidas pelo segredo profissional consignado no artigo 17.º desse diploma; 9.ª - Tais dados pessoais só poderão ser utilizados para outras finalidades se existir diploma legal que o permita ou autorização da Comissão Nacional de Proteção de Dados [artigos 23.º, n.º 1, alínea c), e 28.º, n.os 1, alínea d), e n.º 2 da mesma Lei]; 10.ª - A autorização para utilização dos dados pessoais para finalidade não determinante da recolha não pode, porém, ultrapassar os limites materiais definidos no artigo 9.º da Convenção para a Proteção das Pessoas relativamente ao Tratamento Automatizado de Dados de Caráter Pessoal e no artigo 13.º da Diretiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de outubro de 1995; 11.ª - A utilização desses dados pessoais para efeitos de instauração do processo disciplinar referido na conclusão 3.ª não se enquadra dentro dos limites normativos referidos na antecedente conclusão; 12.ª - Caso um órgão com competência disciplinar no âmbito da Autoridade Tributária e Aduaneira se depare fortuitamente no decurso de um procedimento tributário com informações que se enquadrem nas conclusões 4.ª e 6.ª e que indiciem uma acumulação de funções ilícita ou não autorizada por parte de um trabalhador ao serviço da mesma entidade, não poderá, consequentemente, instaurar com base nelas o referido processo disciplinar; 13.ª - A instauração, com base nessas informações, do referido processo disciplinar, sem o consentimento do titular do direito, contende com o disposto nos artigos 32.º, n.º 8, da Constituição, e 126.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, aplicáveis ex vi do disposto no artigo 36.º do Estatuto Disciplinar, o que determina a nulidade da prova correspondente e a proibição da respetiva valoração; 14.ª - Tal conduta poderá, de acordo com as circunstâncias do caso, implicar responsabilidade criminal ou contraordenacional, bem como responsabilidade disciplinar, tendo em consideração o disposto nos artigos 91.º, n.º 1, e 115.º do Regime Geral das Infrações Tributárias, nos artigos 43.º, n.º 1, alínea c), e 47.º da Lei n.º 67/98, de 26 de outubro, e no artigo 18.º, n.º 1, alínea i), do Estatuto Disciplinar.