Conclusões:
1.ª O direito de greve (artigo 57.º da Constituição) é um direito fundamental, integrante do conjunto dos direitos, liberdades e garantias, diretamente aplicável e vinculante para entidades públicas e privadas e consubstancia uma parcela do princípio da socialidade, enquanto vertente fundamental do Estado de direito democrático;
2.ª Nem a Lei Fundamental (artigo 57.º), nem a lei ordinária (artigos 530.º a 543.º do Código do Trabalho e artigos 394.º a 405.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas) definiram o direito de greve, remetendo essa tarefa essencial para a doutrina e, sobretudo, para o intérprete;
3.ª O direito de greve é, doutrinal e jurisprudencialmente, definido como «abstenção coletiva e concertada da prestação de trabalho por um conjunto de trabalhadores com vista à satisfação de objetivos comuns»;
4.ª O exercício legítimo do direito de greve pressupõe, assim, a abstenção coletiva e concertada da prestação de trabalho por um conjunto de trabalhadores, excluindo abstenções parciais, em que os trabalhadores estão simultaneamente em «greve» e a trabalhar;
5.ª Essas condutas, de recusa de uma parte da prestação laboral, normalmente designadas como «greves impróprias», constituem um mero cumprimento irregular ou defeituoso do contrato de trabalho (artigos 762.º e ss. do Código Civil), com consequências civis e disciplinares;
6.ª A greve suspende o contrato de trabalho do trabalhador aderente, incluindo o direito à retribuição e os deveres de subordinação e assiduidade» [artigo 536.º, n.º 1, do Código do Trabalho, aplicável por força do disposto nos artigos 4.º, n.º 1, alínea m), e 394.º, n.º 3, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas];
7.ª O salário do grevista deverá, por isso, ser reduzido na exata proporção da sua participação temporal na greve, assim se restabelecendo a correspondência sinalagmática entre trabalho e salário;
8.ª No entanto, tratando-se de uma greve, em que, pela atuação concertada dos trabalhadores, o tempo total de não trabalho é superior ao tempo de abstenção formal de cada um deles, deverá ser efetuado o desconto salarial correspondente a toda a paralisação;
9.ª O incumprimento parcial da atividade laboral por parte dos funcionários judiciais poderá ser fonte de responsabilidade civil contratual, podendo originar o dever de indemnizar (artigo 798.º do Código Civil), que, para além da responsabilidade individual, poderá abranger a responsabilidade das próprias organizações sindicais (artigo 483.º e ss. do Código Civil);
10.ª Continuando os funcionários judiciais a trabalhar, apesar de se recusarem a desempenhar algumas das suas funções, não há lugar a suspensão do contrato de trabalho, nem à correspondente perda do direito à retribuição [artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição];
11.ª Uma vez que o incumprimento parcial da atividade laboral constitui uma infração disciplinar (artigo 90.º do Estatuto dos Funcionários de Justiça) devem ainda ser desencadeados os competentes procedimentos disciplinares e aplicadas as sanções que vierem a revelar-se justas; e
12.ª Com efeito, o incumprimento parcial da atividade laboral, ainda que impropriamente denominado como «greve», viola, pelo menos, os deveres de zelo e de lealdade, na medida em que os funcionários devem «exercer as funções de acordo com os objetivos que tenham sido fixados» e «com subordinação aos objetivos do órgão ou serviço» (artigo 73.º, n.os 7 e 9, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas).
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