Os propósitos do museu foram traçados pela primeira-ministra da Noruega, Erna Solberg, logo no dia da abertura oficial, com uma mensagem que nos permite perceber a razão de haver países ricos, pobres ou remediados. “É importante ensinar às crianças e aos jovens o que vivemos. Vivemos na costa e a indústria da aquacultura é uma parte importante, é uma indústria para o futuro. É importante estabelecer um centro de visitantes para fornecer conhecimento e oportunidades de reflexão”, disse, em declarações publicadas no site oficial do museu.
A Noruega é o primeiro país do mundo no índice de Desenvolvimento Humano, numa lista de 189 países elaborada pelas Nações Unidas, cuja pontuação é obtida com base em três critérios: expetativa de anos de vida, número de anos de escolaridade e rendimento anual per capita. No mesmo ranking, Portugal surge em 38.º lugar, atrás da Grécia, Chipre, Letónia, Polónia, Lituana e até do minúsculo principado de Andorra.
Depois de considerar “fundamental” o papel pedagógico e científico que o Centro terá na formação da consciência cívica e conhecimento dos jovens, a líder do governo norueguês não se furtou a abordar posições públicas que são protagonizadas por grupos de pressão que lançam para a opinião pública “dúvidas sem fundamentação científica”.
“Em primeiro lugar, esta é uma grande indústria, sobre a qual muitos têm ideias um pouco estranhas, acho eu”, afirmou, para sublinhar: “O debate costuma ser um pouco estranho na Noruega. As pessoas ainda pensam que a indústria usa antibióticos e falam dos grandes impactos ambientais, mas esquecem que na Noruega a aquacultura é a forma de produção de proteína que realmente tem menos impacto na pegada ecológica.”
A Noruega é o maior produtor mundial de salmão no Atlântico e Portugal o melhor cliente do bacalhau norueguês. O valor das exportações foi o mais elevado de sempre e, nos primeiros três meses do ano, a Noruega exportou produtos do mar no valor de 27,7 mil milhões de coroas norueguesas (cerca de 3 mil milhões de euros).
O valor das exportações foi o mais elevado de sempre e, nos primeiros três meses do ano, a Noruega exportou produtos do mar no valor de 27,7 mil milhões de coroas norueguesas.
“Embora a pandemia continue a afetar os mercados de produtos do mar, é gratificante verificar que o valor das exportações dos produtos provenientes da Noruega, tornaram o mês de março de 2021 o mais robusto dos últimos anos”, congratula-se Odd Emil Ingebrigtsen, ministro norueguês das pescas, no site governamental. “Os nossos produtos do mar são procurados em todo o mundo. Por trás dos números está uma indústria com enorme capacidade de adaptação, com pessoas competentes, a todos os níveis.”
O centro Store Blå surge de uma colaboração entre o setor privado, através do co-proprietário Lerøy Seafood Group (o maior exportador norueguês de produtos do mar), da Scottish Sea Farms e o Norwegian Fisheries Museum (Museu Norueguês da Pesca).
O museu está localizado no centro de Sandviken e oferece conhecimentos da aquacultura aos estudantes, turistas e moradores locais, mas também viagens para instalações de aquacultura fora de Bergen.
A Store Blå abriga uma exposição totalmente digital, onde os visitantes são convidados a refletir sobre a aquacultura. O objetivo do centro é convidar os visitantes a aprenderem sobre a importância da aquacultura para a Noruega, para que depois da visita científica cheguem às suas próprias conclusões.
A ligação do centro à escola é outra inovação. Um programa de ensino interdisciplinar, adaptado aos currículos, está à disposição das turmas através de um laboratório construído para o efeito. O desafio colocado aos alunos é o de serem investigadores de aquacultura durante um dia e realizarem atividades práticas como a dissecação dos peixes.
Manifestações “empurram” investimento para Marrocos
Enquanto no país com o maior índice de desenvolvimento humano do mundo o governo aposta na formação e conhecimento científico da aquacultura dos jovens e desenvolve programas para os estudantes nesta área, a Madeira, que foi pioneira em Portugal na produção de aquacultura em mar aberto, perde para Marrocos avultados investimentos que iriam contribuir para criar riqueza e postos de trabalho qualificados, além de aumentar a autonomia regional na produção de bens de consumo e na diversificação da economia.
Com efeito, em março deste ano, o grupo Jerónimo Martins, que em parceria com o empresário Carlos Batista tem uma instalação de aquacultura na Calheta, e pretendia expandir o número de jaulas, anunciou publicamente que transferiu para Marrocos o investimento que pretendia realizar na Madeira.
A opção por Marrocos está diretamente relacionada com a “intoxicação” lançada na opinião e os constrangimentos daí resultantes, conforme admite o empresário: “Obviamente que estes condicionalismos estão a levar o grupo para outros mercados. Se assim não fosse, claramente que prefeririam aumentar a produção na Região”, admite Carlos Batista.
Enquanto a aquacultura se desenvolve e contribui para aumentar a riqueza em países já de si prósperos, a Madeira, que precisa de diversificar a sua economia para não depender excessivamente do turismo, como tem sido sobejamente demonstrado pela pandemia da Covid-19, continua a desperdiçar oportunidades únicas de negócio.
Teófilo Cunha: “A Noruega está mal, nós é que estamos bem”
Não temos nem a dimensão nem os meios que a Noruega dispõe, mas, à nossa escala, temos procurado esclarecer a população sobre a importância da aquacultura para proteger as espécies selvagens, preservar o ecossistema e evitar a erosão dos fundos marinhos.
A par deste trabalho didático, a ciência diz-nos que a aquacultura é o meio mais sustentável para garantir o abastecimento de peixe à população a preços acessíveis, criar riqueza e postos de trabalho, aumentar a autonomia da Região em termos de produção de alimentos para não ficarmos excessivamente dependentes do exterior.
Quando um país como a Noruega, que lidera o índice de desenvolvimento humano, aposta na criação de um museu, onde instala um centro de investigação, para explicar à população, à comunidade estudantil e a quem visita a importância da aquacultura e a riqueza que esse setor gera no país, sou tentado a ironizar: talvez a Noruega esteja errada e nós, que somos uma região ultraperiférica da Europa com uma economia frágil, é que estejamos certos.
Recordo que a Região Autónoma da Madeira foi pioneira no país na produção de aquacultura em mar aberto. O próprio ministro do Mar, Ricardo Serrão, já disse publicamente que Portugal “aprendeu muito com a maturidade da aquacultura da Madeira”.
É de lamentar que passados 25 anos, e quando a ciência e a investigação têm evoluído e dado um contributo inestimável para a produção de alimentos, com garantia de segurança e qualidade alimentar, tenham surgido dúvidas sobre as mais-valias desta atividade, que é devidamente controlada e regulada e é uma fonte de riqueza da Região.
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A este ritmo de crescimento humano, com mais de 80 milhões de pessoas/ano, as estimativas dizem que daqui a 30 anos não haverá peixe selvagem suficiente para abastecer a população.
Já no presente, 60% do pescado consumido por todos nós tem origem na aquicultura e prevê-se que até 2030 esta percentagem passe para os 70% a 75 %. O próprio Governo português, no Plano Estratégico para a Aquacultura Nacional, prevê um crescimento da produção das atuais 10.000 toneladas para as 35.000, em 2023.
Por forma a que se entenda a importância desta atividade, é da maior sensatez conhecer o que diz a FAO - Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura -, entidade que tem recomendado a todas as nações a implementação desta forma de produção para proteger os parcos recursos piscícolas naturais e permitir que toda a população do planeta se possa alimentar de peixe a preços acessíveis.
Quando há no mundo um amplo debate sobre formas sustentáveis e diversas de obtermos alimentos, quando tanto se discute, e com razão, a manutenção de todas as formas de vida, quer estas sejam animais, vegetais e outras, a Região não poderá ser alheia a tudo isto, e deve pugnar por uma maior consciência e obrigação na defesa ambiental, área em que, aliás, somos referência em inúmeras áreas como é do conhecimento público.
Não é intoxicando a opinião pública com informação inverosímil que se contrui para o desenvolvimento e a prosperidade da nossa terra. O nosso contributo tem de ser sério e responsável, com a ajuda do conhecimento científico, conforme o exemplo que nos chega da desenvolvida Noruega.