Parecer n.º 41/2017, de 22 de agosto de 2018, da Procuradoria-Geral da República, sobre um pedido de parecer sobre a possibilidade legal de uma instituição de ensino superior criar uma régia cooperativa
Descritores:
Régie Cooperativa - Cooperativa de Interesse Público - Instituto Politécnico - Tutela Administrativa - Interesse Público
Conclusões:
1.ª O Governo dispõe de poderes de tutela administrativa sobre os órgãos de institutos politécnicos e que nada impede incidam sobre o mérito e conveniência de algumas das suas decisões ou deliberações. 2.ª A autonomia administrativa das universidades (artigo 76.º, n.º 2, da Constituição), ao contrário da autonomia dos municípios e das freguesias (artigo 242.º, n.º 1) não obriga os poderes tutelares a circunscreverem-se à legalidade, sem prejuízo de se admitir uma qualificação das autonomias científica e pedagógica por conta das liberdades de criação cultural e de ensino (artigos 42.º e 43.º, respetivamente). 3.ª A aplicação aos institutos politécnicos do regime jurídico dos institutos públicos (Lei n.º 3/2004, de 15 de janeiro) é estritamente subsidiária em relação ao regime jurídico das instituições de ensino superior (Lei n.º 62/2007, de 10 de setembro). 4.ª De modo que, uma vez cumpridos certos pressupostos e requisitos, pode um instituto politécnico criar ou tomar parte em pessoas coletivas de direito privado (cf. artigo 15.º da Lei n.º 62/2007, de 10 de setembro), além de dispor de muitos outros instrumentos para desenvolver cooperação com outras entidades públicas ou privadas, nacionais ou estrangeiras. 5.ª Ainda que a lei se refira estritamente a pessoas coletivas de direito privado e não enuncie expressamente a criação nem a participação em cooperativas de regime comum ou de interesse público, o certo é que há um vasto e sólido arrimo constitucional a favorecer a equiparação entre setor privado, por um lado, e setor cooperativo e social, por outro. 6.ª Equiparação que se concretiza no artigo 7.º do Código Cooperativo (aprovado pela Lei n.º 119/2015, de 31 de agosto) quer em face de empresas privadas quer de outras pessoas coletivas privadas puramente associativas. 7.ª A Revisão Constitucional de 1997 introduziu alterações refletidas na redação do artigo 61.º, n.º 4, e do artigo 82.º, n.º 3, alínea a), com o desiderato de reforçar o cooperativismo de iniciativa pública, relativizando, pois, a incompatibilidade das cooperativas de interesse público com alguns dos princípios cooperativos internacionais, objeto de receção constitucional material (cf. artigo 61.º, n.º 2, da Constituição). 8.ª Não obstante, o Decreto-Lei n.º 31/84, de 21 de janeiro, consagra um poder de autorização tutelar a exercer pelo Governo sobre a criação de cooperativas de interesse público, ressalvando apenas a iniciativa das autarquias locais, o que se coaduna com as restrições aos poderes de tutela administrativa de que estas especificamente beneficiam (cf. artigo 242.º, n.º 1 da Constituição). 9.ª É, concretamente, sobre o Instituto Politécnico do Porto que recai o ónus de demonstrar ao Governo o concreto interesse público na criação de uma concreta régie cooperativa para o bom desempenho das suas concretas atribuições, enquanto instituição de ensino superior. 10.ª Se o conceito de interesse público é, por natureza, vago e indeterminado, já os propósitos de uma cooperativa de interesse público exigem especificidade e individualização, sob pena de se frustrar um juízo de conformidade. 11.ª Tão-pouco devem apresentar-se objetos sociais demasiado amplos, quase universais, a ponto de impedirem futuramente saber do cumprimento do princípio da especialidade, o qual possui valor acrescido para as pessoas coletivas públicas, sejam elas de direito público, privado ou cooperativo. 12.ª Ainda que uma cooperativa possa ser reconhecida como organização não governamental, tanto de cariz ambiental como de cooperação para o desenvolvimento, já uma régie cooperativa não pode qualificar-se de igual modo, porquanto surge por iniciativa e criação pública, além de o seu estatuto consagrar condições de prevalência do interesse público. 13.ª Compete ao membro do governo responsável pelas atribuições do Estado em matéria de ensino superior, no exercício de um poder de tutela integrativa sobre o mérito da iniciativa, formular um juízo acerca da conveniência e oportunidade do projeto que lhe é apresentado, no sentido de criar uma cooperativa de interesse público. 14.ª Ao conceder ou recusar a autorização tutelar, o órgão há de guiar-se não apenas pelos elementos indiciários que lhe fornece o Decreto-Lei n.º 31/84, de 21 de janeiro, como também deve empregar as valorações próprias da função administrativa, baseadas em critérios de boa administração, nomeadamente de eficiência e economia.